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O Acidente Radiológico de Goiânia: Lições que Não Podemos Esquecer

Por Bruna em 16/09/2025 às 11:17

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No último sábado, 13 de setembro de 2025, o acidente radiológico de Goiânia completou 38 anos. Esse episódio, ocorrido em 1987, continua sendo lembrado como o maior acidente radiológico já registrado em área urbana, trazendo graves consequências para a saúde pública e marcando definitivamente a história da proteção radiológica no Brasil.

Como tudo começou:
O acidente teve origem quando um aparelho de radioterapia abandonado em uma clínica desativada foi desmontado por catadores de materiais recicláveis. Dentro do equipamento havia uma cápsula com cloreto de césio-137, que emitia uma intensa radiação gama.
A substância, que tinha um brilho azul atraente no escuro, foi manuseada e distribuída entre familiares e vizinhos, sem que ninguém soubesse do perigo que representava.
Vale destacar que o césio-137 possui meia-vida de cerca de 30 anos, o que significa que levará aproximadamente três décadas para que metade de sua radioatividade seja reduzida. Isso explica a necessidade de cuidados prolongados com os resíduos do acidente.

Consequências imediatas:
Nos dias seguintes, várias pessoas começaram a apresentar sintomas como vômitos, queimaduras e queda de cabelo. Ao todo, quatro pessoas morreram em decorrência da exposição:

- Leide das Neves Ferreira, 6 anos.
- Maria Gabriela Ferreira, 37 anos.
- Israel Baptista dos Santos, 22 anos.
- Admilson Alves de Souza, 18 anos.

A história de Leide das Neves:
Leide, uma criança de apenas 6 anos, foi a vítima-símbolo do acidente. Encantada com o brilho azul do pó de césio-137, ela brincou com a substância radioativa, passando-a na pele como se fosse maquiagem. Além disso, levou as mãos contaminadas à boca enquanto se alimentava, ingerindo parte do material.
O contato intenso levou a uma exposição interna e externa extremamente elevada, causando graves queimaduras, queda de cabelo, diarreia, vômitos e uma forte depressão da medula óssea. Mesmo com tratamento intensivo em hospital de referência, Leide não resistiu, falecendo em 23 de outubro de 1987, cerca de 40 dias após o acidente.

Efeitos determinísticos observados:
No acidente de Goiânia, várias vítimas apresentaram efeitos determinísticos da exposição à radiação ionizante, ou seja, efeitos que só aparecem após a superação de uma dose-limiar e cuja gravidade aumenta conforme a dose recebida. Entre os principais registrados estavam:
- Síndrome aguda da radiação, com náuseas, vômitos e fraqueza intensa.
- Eritema (vermelhidão da pele) seguido de queimaduras radiogênicas graves.
- Necrose tecidual em áreas de contato direto com o pó de césio-137.
- Queda de cabelo (epilação) temporária ou permanente.
- Aplasia medular, com queda acentuada das células do sangue, levando a imunossupressão e infecções fatais.
Esses efeitos se diferenciam dos efeitos estocásticos, como o câncer, que podem aparecer anos ou décadas após a exposição, sem uma dose-limiar definida.

O destino dos resíduos:
Além das mortes e do sofrimento humano, o acidente deixou um enorme passivo ambiental. Mais de 3.500 toneladas de entulhos, objetos e resíduos radioativos foram removidos das áreas afetadas e enterrados em depósitos especialmente construídos em Abadia de Goiás, onde permanecem sob monitoramento até os dias atuais.

Lições para a proteção radiológica:
O acidente de Goiânia mostrou de forma trágica a importância da gestão segura de fontes radioativas. Entre as principais lições, destacam-se:
- A necessidade de controle rigoroso e rastreamento de equipamentos radiológicos.
- A importância de treinamento e conscientização da população sobre os riscos da radiação.
- O papel essencial da vigilância sanitária e órgãos reguladores para prevenir situações semelhantes.

Passados 38 anos, o acidente de Goiânia permanece como um alerta permanente. Ele reforça que a proteção radiológica não é apenas uma exigência técnica, mas sim uma questão de saúde pública e responsabilidade social.

 

 Texto elabora por Otávio Augusto de Sousa Barbosa - Físico Médico NUCLEORAD

 

Referências:

[1]Unifan. Acidente com o Césio-137 em Goiânia completa 35 anos e a Unifan fala sobre os impactos e lições. UNIFAN, 14 de setembro de 2022. Disponível em: https://www.unifan.edu.br/noticias/acidente-com-o-cesio-137-em-goiania-completa-35-anos-e-a-unifan-fala-sobre-os-impactos-e-licoes/ unifan.edu.br

[2]UOL Notícias. Os 30 anos do acidente radioativo do Césio-137. UOL, 10 de setembro de 2017. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/album/mobile/2017/09/10/os-30-anos-do-acidente-radioativo-do-cesio-137.htm