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Os diversos monitores utilizados na proteção radiológica e suas funções

Por Adriano Goulart em 06/06/2024 às 12:05

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         A radiação ionizante (RI) é aquela que tem a capacidade de arrancar elétrons dos átomos com os quais interage [1]. Os raios X (RX), que são ondas eletromagnéticas (fótons) de alta frequência, se enquadram nesta categoria. Porém, diferentemente da região do espectro que é classificada como visível (região das cores), não conseguimos enxergá-los, o que não quer dizer que eles não existam. Afinal, como são feitas, então, as radiografias, não é verdade? Ainda que essa pergunta seja interessante, hoje falaremos apenas das diversas formas que temos atualmente para detectarmos essa radiação eletromagnética ionizante invisível.

          Primeiramente, é preciso introduzir brevemente alguns conceitos importantes relacionados à interação da radiação com a matéria. Podemos entender, simplificadamente, radiação como fluxo de energia de um ponto a outro [2]. Em um equipamento de raios X, por exemplo, esse fluxo ocorre do tubo de radiação, que gera os raios X, até um determinado ponto afastado da fonte, lembrando que a intensidade do feixe obedece à regra do inverso do quadrado da distância (ou seja, quanto mais afastado da fonte, menor será a intensidade do feixe gerado – tal qual a intensidade de uma lanterna do farol de um carro, por exemplo, que ilumina bastante alguns metros à frente, mas não o suficiente para iluminar quilômetros a frente, consegue associar?).

            Além disso, é importante entender também o que é o processo de ionização, que é caracterizado pela capacidade de cessão de energia da radiação ionizante à matéria de tal forma que sejam criados pares elétron livre-buraco no átomo do material [2]. O elétron, antes ligado eletricamente ao átomo, consegue energia suficiente – cedida pela radiação ionizante – para se “libertar”, deixando em seu lugar um “buraco”.

            Para haver a detecção, é necessário, portanto, que haja uma interação com a radiação. Esta interação se trata, basicamente, deste processo de ionização, que é o que ocorre em praticamente todos os detectores que conhecemos atualmente. Após a ionização, é preciso também estabelecer métodos de coleta e de leitura/análise dos elétrons. Este último processo diferencia os diversos detectores.

            Antes de falarmos propriamente dos detectores, os classificaremos da seguinte forma: detectores passivos e detectores ativos. Os detectores passivos são aqueles que não têm associados a si um leitor eletrônico e que, por isso, precisam ser levados a instrumentos específicos para que a leitura seja realizada. Já os detectores ativos são aqueles que já mostram a leitura na hora da interação com a radiação.

            Os detectores passivos mais conhecidos são aqueles de uso pessoal, como os dosímetros termoluminescentes (TLD) e os opticamente estimulados (OSL), bastante utilizados no monitoramento dos indivíduos ocupacionalmente expostos (IOEs). São também detectores passivos os antigos filmes radiográficos – porém a tendência é que esta tecnologia se torne obsoleta com o advento dos detectores digitais diretos. Como exemplo de detectores ativos, podemos citar as câmaras de ionização e o Geiger muller – que são detectores a gás, os detectores de estado sólido e alguns cintiladores.

            Os TLDs e o OSLs são dispositivos de estado sólido que armazenam a energia acumulada da RI em sua rede cristalina. Eles funcionam de maneira semelhante, porém o modo de leitura é distinto; enquanto o primeiro é estimulado por meio de aquecimento, o segundo é estimulado por aplicação de luz. A RI, como dito anteriormente, provoca a ionização dos elétrons, que ganham energia e são arrancados da rede cristalina. Por conta de impurezas – dopagem química - na rede destes materiais, os elétrons ficam presos nestas zonas até que um outro tipo de energia (no caso do TLD, calor e no caso do OSL, luz) seja cedida para que eles sejam liberados [3].

            Os detectores a gás são assim chamados porque o material que interage com a RI é um gás. A RI ioniza as moléculas do gás presas em um recipiente cilíndrico e produz uma cascata de elétrons, que são coletados por meio da aplicação de uma diferença de potencial entre os polos do cilindro. A magnitude desta diferença de potencial potencializa a utilização do detector a depender da sua aplicabilidade (como mostra a Figura 1), uma vez que há diversos interesses de uso desse instrumento [4]. O Geiger-muller, por exemplo, que é um detector bastante utilizado na medicina nuclear, é utilizado apenas para detectar radiação ionizante no ambiente (por ser classificado na região V da Figura 1, qualquer ionização presente no gás é coletada devido ao alto potencial aplicado). Já a câmara de ionização, que também é a gás, é bastante utilizada para estabelecer o nível de radiação ionizante com precisão porque estabelece uma relação quase proporcional ao que é ionizado e o que é coletado. Por isto, este tipo de detector é bastante utilizado no radiodiagnóstico nos levantamentos radiométricos e testes de fuga de cabeçote e em alguns testes de CQ.

                                      

Figura 1: Log dos íons coletados em função da voltagem aplicada em um detector à gás. Disponível em TAUHATA, Luiz et al. Radioproteção e dosimetria: fundamentos. CBPF, 2003 [3].

  

            Os detectores de estado sólido funcionam de maneira parecida com os TLD. Porém, diferentemente deles, estes detectores têm associados a si um campo elétrico responsável por aplicar uma diferença de potencial que coleta os elétrons criados na ionização, o que faz gerar um sinal elétrico, que será lido e mostrado em uma tela. Neste caso, a estrutura do material é também explicada pela teoria de bandas do material. Por se tratar de uma física mais pesada e por fugir um pouco do escopo do artigo, não trataremos profundamente deste assunto aqui, mas deixo como sugestão a leitura do capítulo 6.7 do livro do Tahuata [3].

            Fato é que os detectores de estado sólido (ou semicondutores) são bastante utilizados na prática do físico médico. Eles são utilizados no feixe direto de radiação, ao contrário dos detectores a gás, que em geral são utilizados para feixes secundários. Além disso, os semicondutores são também multimedidores, o que possibilita a eles a leitura de diversas outras grandezas sem ser a dose de radiação, como a tensão do tubo de raios X, o tempo de exposição e a camada semirredutora, que são parâmetros de interesse no controle de qualidade de um raios X.

 

                                                  

 

Fonte da imagem: Sítio eletrônico da UESC. Disponível em: http://www.uesc.br/centros/ctr/modulos/infraestrutura/geral/equipamento.php?lab=lrad&eq=controle_radiacao&pic=1. Acessado em: 31/05/2024.

 

Texto elaborado por físico médico Bruno Lisboa – especialista em radiodiagnóstico – NUCLEORAD.

 

Referências Bibliográficas

 

[1] NUSSENZVEIG, Herch Moysés. Curso de física básica: Ótica, relatividade, física quântica (vol. 4). Editora Blucher, 2014.

[2] ATTIX, Frank Herbert. Introduction to radiological physics and radiation dosimetry. John Wiley & Sons, 2008.

[3] TAUHATA, Luiz et al. Radioproteção e dosimetria: fundamentos. CBPF, 2003.

[4] KNOLL, Glenn F. Radiation detection and measurement. John Wiley & Sons, 2010.