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Terapias com Radionuclídeos de última geração: O futuro da Medicina Nuclear?

Por Bruna em 12/02/2025 às 09:02

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  As terapias com radionuclídeos de última geração representam um avanço significativo no tratamento oncológico, oferecendo maior precisão na destruição de células tumorais e minimizando danos aos tecidos saudáveis. Essas terapias utilizam radiofármacos, que são compostos formados pela combinação de radionuclídeos emissores de partículas ionizantes com moléculas que direcionam a radiação diretamente às células cancerígenas, aumentando a eficácia do tratamento. Os radiofármacos são projetados para se ligar a alvos específicos nas células tumorais, permitindo uma abordagem terapêutica mais seletiva. A escolha do radionuclídeo é fundamental, considerando fatores como o tipo de radiação emitida, a meia-vida e o método de produção. Por exemplo, o Iodo-131 (I-131) é amplamente utilizado devido à sua capacidade de emitir partículas beta, que são eficazes na destruição de células malignas. A meia-vida do I-131 é de aproximadamente 8 dias, o que permite uma janela terapêutica adequada para o tratamento de diversas neoplasias. A produção de radionuclídeos como o I-131 é realizada em reatores nucleares, onde o Iodo-130 é irradiado com nêutrons para formar o I-131. A escolha do radionuclídeo adequado é crucial para garantir a eficácia e a segurança do tratamento, levando em consideração as características específicas de cada tipo de câncer e as propriedades físicas do radionuclídeo utilizado [1].

  Uma das inovações mais significativas é o desenvolvimento de radiofármacos que se ligam a receptores específicos presentes nas células tumorais, permitindo uma entrega direcionada da radiação. Por exemplo, no câncer de próstata avançado, têm sido utilizados radiofármacos que se ligam ao antígeno de membrana específico da próstata (PSMA), proporcionando uma abordagem terapêutica mais eficaz e com menos efeitos colaterais em comparação com os tratamentos convencionais. O PSMA é uma proteína altamente expressa nas células do câncer de próstata, e os radiofármacos direcionados a esse antígeno utilizam moléculas que se ligam especificamente ao PSMA, conjugadas a radionuclídeos emissores de partículas beta ou alfa. Um exemplo é o Lutécio-177 (Lu-177), que emite partículas beta com uma meia-vida de aproximadamente 6,7 dias, permitindo uma distribuição adequada da dose terapêutica. O Lu-177 é produzido em reatores nucleares ou aceleradores de partículas, através da irradiação de alvos de Ytterbium-176. A utilização de radiofármacos direcionados ao PSMA tem mostrado resultados promissores, com redução significativa do volume tumoral e melhora na sobrevida dos pacientes [2].

  Além disso, avanços na medicina nuclear têm permitido a utilização de radionuclídeos emissores de partículas alfa, que possuem alta energia e curto alcance, sendo ideais para o tratamento de micrometástases e células tumorais isoladas. Esses radionuclídeos, quando conjugados a moléculas que reconhecem alvos tumorais específicos, oferecem uma abordagem terapêutica altamente seletiva, reduzindo a toxicidade sistêmica e melhorando os resultados clínicos. Um exemplo amplamente utilizado é o Rádio-223 (Ra-223), indicado para o tratamento de metástases ósseas em pacientes com câncer de próstata resistente à castração. O Ra-223 emite partículas alfa que proporcionam alta deposição de energia nas células tumorais adjacentes ao tecido ósseo, promovendo a destruição das células malignas enquanto minimiza a exposição dos tecidos saudáveis. Sua meia-vida de 11,4 dias permite um controle eficaz do tratamento e reduz a necessidade de múltiplas administrações. O Ra-223 é produzido a partir do decaimento do Tório-227, que por sua vez é extraído de fontes naturais de Actínio-227 ou produzido sinteticamente em reatores nucleares [3].

  Outro radionuclídeo promissor nessa categoria é o Actínio-225 (Ac-225), que também emite partículas alfa e tem se mostrado altamente eficaz no tratamento de tumores agressivos, como leucemias e câncer de próstata metastático. A meia-vida do Ac-225 é de 10 dias, o que permite uma liberação gradual da dose terapêutica, aumentando a eficácia do tratamento e reduzindo os efeitos adversos. Esse radionuclídeo pode ser produzido por meio da irradiação de alvos de Rádio-226 em aceleradores de partículas ou a partir do decaimento do Tório-229. Estudos clínicos demonstram que a terapia com Ac-225 conjugado a anticorpos monoclonais ou pequenas moléculas direcionadas melhora significativamente a resposta tumoral em pacientes que não respondem às terapias convencionais [4].

  A radioimunoterapia é outra abordagem inovadora que combina anticorpos monoclonais com radionuclídeos, permitindo uma entrega altamente seletiva da radiação às células cancerígenas. Essa estratégia tem sido utilizada no tratamento de diversos tipos de câncer, incluindo linfomas, carcinomas e neoplasias hematológicas, proporcionando uma destruição precisa das células malignas enquanto preserva os tecidos saudáveis. Os anticorpos monoclonais são proteínas projetadas para reconhecer e se ligar a antígenos específicos na superfície das células tumorais. Quando conjugados a radionuclídeos emissores de partículas ionizantes, como o Iodo-131 (I-131) ou o Itrio-90 (Y-90), formam radiofármacos altamente eficazes. O Y-90, por exemplo, é um emissor de partículas beta com meia-vida de 2,7 dias e é produzido a partir da irradiação de alvos de Estrôncio-89 em reatores nucleares. Sua aplicação tem sido amplamente estudada no tratamento do linfoma não-Hodgkin, demonstrando capacidade de induzir remissão mesmo em pacientes refratários a outras terapias [5].

  No contexto da medicina de precisão, as terapias com radionuclídeos de última geração representam um avanço significativo, permitindo tratamentos altamente personalizados e eficazes. No entanto, a incorporação dessas novas biotecnologias apresenta desafios, especialmente no que diz respeito ao acesso equitativo nos sistemas de saúde. É crucial que políticas públicas sejam desenvolvidas para garantir que esses avanços estejam disponíveis para todos os pacientes que possam se beneficiar, independentemente de sua localização geográfica ou condição socioeconômica. Além disso, é necessário investir na infraestrutura para a produção e distribuição dos radiofármacos, bem como na capacitação de profissionais especializados em medicina nuclear. O controle rigoroso da dosimetria, a segurança no manuseio e administração desses compostos, e o monitoramento contínuo dos efeitos colaterais são fatores determinantes para a eficácia e segurança dessas terapias [6].

  A segurança no manuseio e administração de radiofármacos é um aspecto crítico na medicina nuclear, exigindo a implementação de protocolos rigorosos de radioproteção para proteger tanto os profissionais de saúde quanto os pacientes. Normas regulatórias, como as estabelecidas pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), delineiam requisitos específicos para a operação de instalações que lidam com materiais radioativos, abrangendo desde a aquisição, armazenamento e manipulação até o descarte de resíduos radioativos [6]. Essas diretrizes são fundamentais para minimizar riscos de exposição ocupacional e garantir que os procedimentos terapêuticos sejam conduzidos de maneira segura e eficaz.

  Além dos regulamentos nacionais, órgãos internacionais como a Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA) estabelecem recomendações para otimizar as práticas de radioproteção e dosimetria na medicina nuclear. Uma das principais diretrizes envolve a adoção do princípio ALARA (As Low As Reasonably Achievable), que orienta a redução da exposição à radiação ao menor nível possível, considerando as necessidades clínicas do tratamento [7]. Esse princípio se aplica tanto aos pacientes quanto aos profissionais, exigindo a implementação de barreiras de proteção, blindagens de seringas e frascos plumbíferos, além do uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) como luvas, aventais de chumbo e monitores pessoais de radiação.

  Os protocolos de controle de qualidade também desempenham um papel essencial na segurança dos radiofármacos. Antes da administração ao paciente, os radiofármacos devem ser submetidos a testes rigorosos para garantir a estabilidade química, pureza radionuclídica e esterilidade da solução. Parâmetros como concentração de atividade, pH e integridade da ligação molecular com os vetores biológicos são cuidadosamente monitorados, reduzindo o risco de efeitos adversos [8]. Além disso, a calibração dos equipamentos utilizados na preparação e administração, como dosímetros e calibradores de dose, é obrigatória para garantir a precisão das doses administradas.

  A capacitação contínua dos profissionais envolvidos no manuseio e administração de radiofármacos é outro fator crucial. Programas de formação especializados são oferecidos para médicos nucleares, físicos médicos, radiofarmacêuticos e técnicos em medicina nuclear, abrangendo desde aspectos teóricos sobre decaimento radioativo até treinamentos práticos sobre procedimentos seguros de manuseio e administração de radioisótopos [9]. Esses treinamentos incluem simulações de emergência para lidar com derramamentos de material radioativo e exposições acidentais, garantindo que a equipe esteja preparada para responder de maneira eficaz a qualquer incidente.

  O descarte adequado de resíduos radioativos também é uma preocupação essencial na medicina nuclear. Dependendo da meia-vida do radionuclídeo, os resíduos podem ser armazenados temporariamente até atingirem níveis de radiação aceitáveis para descarte em lixo comum, ou podem necessitar de tratamentos específicos para eliminação segura. Radionuclídeos de meia-vida curta, como o Tecnécio-99m, podem ser armazenados por algumas horas ou dias antes do descarte, enquanto materiais com meia-vida mais longa exigem procedimentos diferenciados, incluindo confinamento em instalações apropriadas ou reprocessamento para reutilização em novas formulações radiofarmacêuticas [10].

  A logística de transporte de radiofármacos também deve seguir regulamentos rigorosos para garantir a segurança durante o trajeto entre as unidades produtoras e os centros de medicina nuclear. O transporte deve ser realizado em embalagens certificadas, projetadas para evitar vazamentos e minimizar a exposição à radiação. Além disso, a documentação deve estar sempre em conformidade com as normas nacionais e internacionais, incluindo a correta rotulagem dos materiais radioativos e a indicação dos níveis de atividade transportados [11].

  O monitoramento contínuo das doses recebidas pelos profissionais de saúde é uma exigência regulatória que visa prevenir exposições excessivas. A dosimetria individual é realizada por meio de dosímetros termoluminescentes (TLDs) ou dosímetros de filme, que registram a exposição acumulada à radiação ao longo do tempo. Caso os níveis de dose ultrapassem os limites estabelecidos pelos órgãos reguladores, medidas corretivas devem ser adotadas, incluindo reavaliação dos procedimentos e ajustes na proteção radiológica [12].

  Por fim, a implementação de estratégias para reduzir a exposição dos acompanhantes e familiares dos pacientes tratados com radiofármacos é um aspecto frequentemente discutido na medicina nuclear. Orientações específicas são fornecidas para pacientes que recebem terapias com radionuclídeos de meia-vida longa, como o Iodo-131, a fim de evitar a contaminação secundária. Medidas como evitar contato físico prolongado, utilizar banheiros separados e lavar roupas e utensílios de forma isolada podem minimizar a exposição de terceiros à radiação residual presente no corpo do paciente [13].

  Diante desses desafios e inovações, a segurança no uso de radiofármacos continuará sendo um tema de extrema importância para a medicina nuclear. O equilíbrio entre eficácia terapêutica e minimização da exposição à radiação depende de um compromisso contínuo com a pesquisa, regulamentação e treinamento dos profissionais envolvidos, garantindo que essas terapias de última geração sejam aplicadas com o máximo de segurança e benefício aos pacientes.

 

Texto elaborado pelo estagiário Eduardo Berna – Graduando em Física Médica pela UFCSPA – NUCELORAD.

  

Referências

[1] REDE D’OR SÃO LUIZ. Radioisótopos no tratamento do câncer. 2024. Disponível em: https://www.rededorsaoluiz.com.br/onco/oncologiador/noticias/artigo/radioisotopos-no-tratamento-do-cancer.

[2] SÁNCHEZ, L. A nova geração de fármacos radioativos ataca o câncer com precisão molecular. El País - Saúde e Bem-Estar, 2024. Disponível em: https://elpais.com/salud-y-bienestar/2024-09-11/la-nueva-generacion-de-farmacos-radiactivos-ataca-al-cancer-con-precision-molecular.html.

[3] IAEA. Nuclear Medicine Safety Guidelines. International Atomic Energy Agency, 2024. Disponível em: https://www.iaea.org.

[4] SOUZA, F. L. et al. Terapias Alfa-emissoras: um novo paradigma na oncologia nuclear. Cadernos de Saúde Pública, 2024. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/zDRHSHfSh7mkcCKNHxSjr8C/

[5] CNEN. Normas para proteção radiológica em radiofarmácia. Comissão Nacional de Energia Nuclear, 2024. Disponível em: https://www.gov.br/cnen/pt-br/acesso-rapido/normas/grupo-6/grupo6-nrm613.pdf.

[6] CNEN. Normas para proteção radiológica em radiofarmácia. Comissão Nacional de Energia Nuclear, 2024. Disponível em: https://www.gov.br/cnen/pt-br/acesso-rapido/normas/grupo-6/grupo6-nrm613.pdf.

[7] IAEA. Radiation Protection in Nuclear Medicine: ALARA Principles. International Atomic Energy Agency, 2024. Disponível em: https://www.iaea.org.

[8] SOUZA, F. L. et al. Terapias Alfa-emissoras: um novo paradigma na oncologia nuclear. Cadernos de Saúde Pública, 2024. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/zDRHSHfSh7mkcCKNHxSjr8C/

[9] BVS MS. Garantia da Qualidade em Radiofarmácia. Biblioteca Virtual em Saúde, Ministério da Saúde, 2024. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/inca/garantia_da_qualidade_em_radiofarmacia_rafael.pdf.

[10] GOV.BR. Diretrizes para o descarte de resíduos radioativos de serviços de saúde. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/residuos-radioativos. 

[11] CNEN. Regulamentação do Transporte de Materiais Radioativos no Brasil. Comissão Nacional de Energia Nuclear, 2024. Disponível em: https://www.gov.br/cnen/pt-br/transporte-radioativo.

[12] ICRP. Radiation Dose Monitoring and Occupational Exposure Limits. International Commission on Radiological Protection, 2024. Disponível em: https://www.icrp.org.

[13] INCA. Orientações para pacientes em tratamento com radiofármacos. Instituto Nacional do Câncer, 2024. Disponível em: https://www.inca.gov.br/publicacoes/informacoes-para-pacientes-radiofarmacos.