Raio X: do convencional para a alta energia e alta tecnologia empregadas na Física Médica
A geração de radiação ionizante tem uma longa trajetória dentro da Física Médica. Desde a descoberta dos raios X por Wilhelm Conrad Roentgen em 1895, a ideia central sempre foi a mesma: acelerar elétrons a altas velocidades e fazê-los colidir contra um alvo de alto número atômico, convertendo parte da energia cinética em fótons. Porém, a forma de realizar essa aceleração e os limites energéticos possíveis mudaram radicalmente ao longo das décadas.[1]
Nos tubos de raios X convencionais, essa produção acontece em um sistema relativamente simples: um cátodo aquecido libera elétrons por emissão termoiônica, que são acelerados em direção a um ânodo por meio de uma alta diferença de potencial. O alvo, geralmente de tungstênio, é escolhido por seu alto número atômico e ponto de fusão, características que o tornam eficiente e resistente ao intenso calor. Quando os elétrons colidem com o alvo, dois processos principais ocorrem: o bremsstrahlung, também chamado de radiação de freamento, e a emissão de raios X característicos, que resultam da reorganização eletrônica do material-alvo. O detalhe fundamental é que, nesse arranjo, a energia máxima dos fótons não pode ultrapassar a tensão aplicada entre cátodo e ânodo. Ou seja, se o tubo opera a 120 kV, nenhum fóton terá energia maior que 120 keV. Aumentar o kV parece, à primeira vista, uma solução óbvia para obter radiações mais penetrantes, mas logo surgem limitações técnicas: o aquecimento do alvo aumenta perigosamente, o isolamento elétrico do tubo torna-se complexo e o rendimento global continua baixo, já que menos de 1% da energia se converte em radiação útil.[1][2]
Para superar esse teto tecnológico, a solução foi recorrer a um princípio diferente de aceleração, que se materializou nos aceleradores lineares, conhecidos como LINACs. Em vez de confiar em uma única diferença de potencial, os LINACs empregam cavidades de radiofrequência que funcionam como ondas eletromagnéticas estacionárias. Os elétrons são injetados nesse campo e passam a interagir com as ondas como surfistas que aproveitam a crista de cada onda do mar, ganhando velocidade e energia a cada cavidade atravessada. Dessa forma, elétrons que partem de energias modestas da ordem de dezenas de keV chegam rapidamente à faixa dos MeV, milhões de elétron-volts, valores inalcançáveis por tubos convencionais.[3]
O coração desse processo está nos dispositivos que geram ou amplificam as ondas: o magnetron, que atua como um oscilador de alta potência e produz micro-ondas pulsadas na casa dos 3.000 MHz, e o klystron, um amplificador que utiliza feixes de elétrons modulados em velocidade para aumentar a potência da onda. Ambos alimentam a estrutura aceleradora, um tubo de cobre subdividido em cavidades ressonantes, onde ocorre a “surfada” dos elétrons. No final do percurso, o feixe já possui energia suficiente para, ao atingir um alvo metálico, produzir fótons de bremsstrahlung na faixa da megavoltagem. Enquanto nos tubos diagnósticos se trabalha com fótons de até algumas centenas de keV, nos LINACs os fótons podem chegar a energias médias de 2 a 6 MeV, extremamente mais penetrantes.[3]
Esse salto energético transformou a prática clínica e expandiu aplicações muito além da radiologia convencional. Na oncologia, os aceleradores lineares possibilitam tratar tumores profundos de forma eficaz, já que os fótons de megavoltagem interagem principalmente por efeito Compton em tecidos moles, permitindo um controle muito mais refinado da distribuição de dose. Isso abriu espaço para técnicas como IMRT, em que a intensidade do feixe é modulada para poupar tecidos sadios, e VMAT, em que a radiação é entregue de forma contínua durante a rotação do equipamento.[3]
Outra aplicação fundamental está na produção de radiofármacos. Aceleradores como LINACs(Exemplo na imagem abaixo) e cíclotrons são capazes de bombardear alvos específicos e induzir reações nucleares que resultam em radionuclídeos de meia-vida curta, que se ligam a moléculas de interesse biológico. É o caso do flúor-18, utilizado na síntese do FDG, o radiofármaco mais difundido nos exames de PET-CT, capaz de mapear o metabolismo da glicose e identificar tecidos tumorais com alta atividade metabólica. Outros exemplos incluem o iodo-123, empregado em cintilografias da tireoide, o gálio-67, usado em investigações inflamatórias e oncológicas, e o tálio-201, importante em exames de cardiologia nuclear. Sem os aceleradores, esses radioisótopos não poderiam ser produzidos em tempo hábil para uso clínico, já que seu curto tempo de meia-vida exige proximidade com os centros médicos.[3]
Os benefícios não se limitam à área médica. Aceleradores lineares também são utilizados em pesquisas de física fundamental, no desenvolvimento de novos contrastes e radiofármacos, em estudos de interação da radiação com a matéria e até em aplicações industriais, como a esterilização de materiais médicos ou a análise de estruturas cristalinas.[3]
Se, no início, a solução parecia ser apenas aumentar o kV aplicado em um tubo de raios X, a evolução tecnológica mostrou que era preciso ir além. Hoje, ao transformar elétrons em surfistas de ondas eletromagnéticas dentro de cavidades de radiofrequência, os aceleradores lineares fornecem feixes de fótons de altíssima energia que revolucionaram a radioterapia, sustentam a Medicina Nuclear e ainda ampliam fronteiras da pesquisa e da indústria. A ideia inicial de simplesmente “aumentar o kV” tornou-se uma engenharia sofisticada que mudou para sempre a forma como usamos a radiação em benefício da saúde e do conhecimento humano.
Texto elaborado por Eduardo Berna – Estagiário NUCLEORAD
Por Bruna em 28/08/2025 às 08:48